A SUBSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA PELO ESTADO
A família é o núcleo mais importante da sociedade, e muitos séculos antes das intermináveis discussões acerca das “diversas formas de família” tão presentes em nossos dias, os antigos filósofos pagãos da época pré-cristã, já admitiam que o surgimento da sociedade organizada – até mesmo entre os primitivos – depende antes da existência do núcleo familiar, organização fundamental, formada por homem, mulher e seus filhos, a qual sempre existiu como elemento constitutivo daquela. Aristóteles concluiu, por exemplo, que as sociedades organizadas, embora também elas naturais, nada mais são do que um acordo secundário para garantir o progresso de todas as famílias pelo apoio mútuo.
Essa era a concepção disseminada até o século XVI, quando então entra em cena o chamado de “século das luzes”, período ápice do famigerado racionalismo e da filosofia iluminista, cujos postulados chegariam posteriormente a influenciar a Revolução Francesa, em sua oposição frontal ao sistema escolástico. Os propagadores dessa corrente filosófica sonhavam com um mundo construído com base na razão, pela qual se formaria o cidadão perfeito capaz de agir de forma “livre” e racional na sociedade, longe das amarras ideológicas e cegas da fé. A partir disso, por exemplo, não seria mais necessária a tarefa da família e da Igreja na educação das crianças, mas caberia às escolas civis o encargo de conduzir, no conjunto da sociedade, os jovens à plenitude da “liberdade” baseada nos princípios da razão.
Para Kant, por exemplo, os homens não precisavam de leis morais instituídas de fora, que os fizessem agir corretamente por “medo do inferno” ou qualquer outra forma de punição civil externa – imperativos hipotéticos – pelo contrário, segundo ele, as leis já estavam instituídas na natureza humana, cabendo aos homens apenas encontrá-las através da razão – imperativos categóricos – e segui-las pelo bem que há nelas, e não por outro motivo imposto de fora, que lhes tolhia a verdadeira liberdade no agir.
Contraditoriamente, foi justamente partir de então, que o avanço estatal nas questões que dizem respeito exclusivamente às famílias progrediu, até culminar nas ideologias coletivistas baseadas no marxismo e suas variantes, como o Socialismo Fabiano. Mais tarde, surgiria ainda o Fascismo, o Nazismo e a aplicação prática do Comunismo, até chegarmos na extinção parcial ou completa dos direitos naturais das famílias em detrimento do “coletivo”.
O fracasso retumbante das ideologias totalitárias, geraram a necessidade de uma revisão completa nas atitudes daqueles que buscavam dissolver o núcleo familiar, no interesse da coletividade. Se as famílias não estiverem dispostas a ceder involuntariamente pela violência e pelo medo, então seria necessária uma nova ordem, com novas ideias, capazes de garantir a construção de uma sociedade regida pela ordem coletivista sem contradizer os ideais de um mundo “utópico”. Seria necessário dissimular os objetivos através da linguagem, fazendo o uso de alguns termos considerados aceitáveis e receptivos, porém, com sentido esvaziado, a respeito dos quais há pouco ou nenhum debate, tais como: democracia, bem-estar, garantia de direitos e etc. É nesse momento que surge o chamado Welfare State, que vai moldar as ações dos governos dos 1950 em diante, os quais passariam ser obrigados a garantir o mínimo de serviços – que passaram a se chamar “direitos” – necessários para garantir a dignidade dos cidadãos.
Em contraposição a estas ideologias, a Igreja pós-conciliar, percebendo que o mundo moderno caía no abismo do coletivismo, propõe reunir várias declarações magisteriais que pudessem dar um norte ao homem moderno. Este trabalho culminou na chamada Doutrina Social da Igreja (DSI), cujas origens remontam oficialmente o pontificado de Leão XIII, inaugurado pela encíclica Rerum Novarum, a qual combatia ao mesmo tempo o liberalismo e o comunismo ateu. A DSI baseia-se no princípio da subsidiariedade, segundo o qual, o Estado deve ser um suporte às famílias naquilo que elas não são capazes de resolver por si mesmas, resguardando seus direitos naturais.
Ocorre que infelizmente, num mundo bastante hostil a fé e pautada no materialismo cientificista, poucos deram ouvidos ao importante ensinamento da Igreja, e assim, paulatinamente, os cidadãos foram de fato transferindo a responsabilidade inerente a si ao Estado, deixando este tomar as rédeas de suas vidas até mesmos nas áreas mais fundamentais.
As preocupações com o “ganhar a vida” e os meios de subsistência, fizeram com que as famílias fossem pouco a pouco cedendo os espaços que lhes eram exclusivos, ao Estado, graças sobretudo à cultura materialista do consumo. À medida que um pai ou uma mãe precisavam de horas extras para trabalhar, por exemplo, e assim garantir o “padrão mínimo” da família, passaram a pleitear creches em tempo integral, entregando a educação dos filhos ao poder público.
Ao cair da noite, exaustos de uma rotina pesada, aos pais não resta tempo para dedicar aos filhos, então, passaram a lhes entregar um aparelho eletrônico com o qual possam se “entreter”, cobrando depois a responsabilidade pela educação de seus filhos – pasmem! – ao Governo. A ausência passou a ser compensada pela compra de bens aos filhos, e ao final de tudo, todos passaram a serem escravos de um sistema que os pressiona, num ciclo vicioso, a correr atrás dos bens materiais, enquanto o futuro dos seus filhos está nas mãos dos propagadores de ideologias. Sem tempo para os filhos, muitos desistem antes mesmo de tentar uma gestação, e partem para a esterilização permanente ou temporária (contraceptivos), para poder dedicar mais tempo ao trabalho e consumir mais, “livre” de maiores preocupações.
Pode-se afirmar que essa cultura de entrega paulatina das atribuições exclusivas da família a um ente coletivo se pauta atualmente nos seguintes princípios:
a) Educação Laica, obrigatória e Estatal: como a sociedade reúne pessoas com pensamentos e princípios diversos, nenhuma escola tem a obrigação de respeitar os princípios de fé e moral dos pais dos alunos, já que estes estão cedendo sua obrigação de educar. Mas alguém argumentará: e as escolas confessionais? Estas, muitas vezes inacessíveis a maioria da população, ficam obrigadas a seguir as diretrizes do Ministério da Educação, o qual também obriga os professores a passar por universidades onde as ideologias estão pautadas nas mesmas bases utópicas que tratamos no início deste artigo (coletivismo). A educação passa a ser compulsória e determinada pelo Estado, deixando pouco ou nenhum espaço para a aplicação da moral familiar. Enquanto os pais ficam fora de casa por até 12 horas diárias, seus filhos são educados pela escola que tem esses princípios materialistas do mundo;
b) Promoção dos chamados Direitos Sexuais e Reprodutivos: a geração da vida não seria mais uma tarefa das famílias, e qualquer pessoa consegue manipular os gametas para gerar bebês, e quando esses forem “indesejados”, pode-se recorrer ao 4b0rt0, destruindo definitivamente o direito à vida daqueles inocentes que não tiveram participação em sua própria concepção. O Estado então, aproveita a brecha deixada pelos pais, para obrigar as crianças desde a mais tenra idade a aprender sobre educação sexual, uma vez que os responsáveis legais “não serão capazes” de oferecer este tipo de conteúdo aos filhos. A sociedade está evoluindo – diriam eles, pautando-se em princípios freudianos – e a sexualidade é parte importante do ser humano, a qual deve portanto, ser direcionada ao prazer sem preconceitos ou consequências.
c) Medidas de Regulações extremas: se refere a tudo que possa impedir a livre iniciativa, o desenvolvimento e a criatividade comunitária ou particular, fazendo com que as pessoas fiquem em sua maioria dependentes do Estado para tomar a frente de qualquer protagonismo empreendedor, sobretudo no ramo cultural e educacional. Inclui-se aqui o controle da informação, através do monopólio da comunicação e da imposição de censura, o que impede as famílias de conquistarem por si mesmas o conhecimento e os meios para sobreviver, quando não, muitas vezes, ficam obrigadas a depender dos programas de transferência de renda por parte do Estado.
Esses foram apenas alguns exemplos mais claros da cultura atual que transfere suas obrigações para o Estado – e até exigem ações do mesmo! – nutrida pelo comodismo de muitos que pensam estar em vantagem ao fazer concessões deste tipo ao “pai” da coletividade.
Aos poucos, e sem dar-se conta, as famílias vão transferindo seus direitos naturais à decisão da coletividade, e quando percebem já é tarde, uma vez que já se acostumaram a esse modo de vida. Que estejamos atentos e sejamos capazes de reagir às investidas ideológicas que estão adentrando nossos lares para nos fazerem escravos do sistema e assumir o nosso papel intransferível na família.

