O que explica o avanço da mentalidade progressista entre os católicos brasileiros?
Uma pesquisa recém-encomendada pela Revista Veja à empresa de estatística MindMiners, apresentou alguns números bem “clamorosos”, os quais provam que a mentalidade dita “progressista” avança fortemente entre aqueles que se dizem praticantes da fé católica.
Apesar de ser a fé hegemônica no Brasil, com aproximadamente 120 milhões de adeptos e colocando o país na liderança mundial em números absolutos da população católica, os dados qualitativos da pesquisa apontam para uma contradição cada vez maior entre a doutrina e o costume dos “fiéis”.
De acordo com a pesquisa, 9% dos católicos são contra o uso dos contraceptivos, 28% são contra o casamento g@y e 29% contra o ab0rto. A mesma pesquisa mostra que pouco mais de 60% consideram a possibilidade de mudar de religião. Inclusive, a matéria apresenta as estatísticas já conhecidas de declínio da população católica no Brasil nos últimos anos e crescimento do número de adeptos do protestantismo.
O avanço da mentalidade progressista na Igreja precisa ser avaliado através de um processo histórico que não é recente, mas que se acelerou nos últimos anos devido em grande parte ao secularismo e ao papel central da mídia e das grandes corporações mundiais que visam moldar a mentalidade dos católicos – não só destes, mas de todo o ocidente enraizado na moral judaico-cristã – que não deixam de ser a “pedra de tropeço” dos planos muitas vezes voltados ao desejo de domínio.
O ponto inicial, é sem dúvida, o crescimento de conflitos entre a Igreja e Estado, já no final da Idade Média, devido ao fortalecimento da classe burguesa que apesar de pequena nesse período, começava a ganhar relevância, provocando uma série de revoluções na história política do Ocidente. Logo depois, surge o movimento protestante com Lutero e Calvino, que passou a questionar cada vez mais a autoridade da Igreja, colocando o indivíduo como o protagonista da sua própria fé e doutrina, através da livre interpretação das escrituras. Vale lembrar que a revolução protestante só foi possível graças ao apoio da classe burguesa no século XVI, que neste momento, tinha aumentado sua força e influência nas regiões da Alemanha e da França.
A fase de maior influência dos burgueses se deu com a Revolução Francesa, que permitiu a emancipação do chamado Terceiro Estado – composto pelo povo e pelos burgueses, mas liderados por estes últimos – em detrimento do poder da Nobreza (Segundo Estado) e do Clero (Primeiro Estado). Esta revolução que foi encabeçada pelo ideário iluminista francês, criticava os dogmas e a própria religião, tratando-a como superstição, colocando a racionalidade como centro da ética humana rumo ao progresso, ignorando séculos de patrística e escolástica que sempre pautaram os estudos sagrados a partir da razão e da intelectualidade.
Com a Revolução Industrial, o avanço científico e tecnológico e o crescimento urbano intenso a partir do século XIX, os homens passaram a considerar-se cada vez mais o centro do sucesso e ignorar o Criador. No final desse mesmo século e início do século XX, vimos a consolidação dos embates liberais e marxistas, em busca de uma nova organização de uma sociedade cada vez mais materialista e menos preocupada com o cuidado da alma e a salvação eterna.
Ainda na primeira metade século XX, grandes corporações obrigaram-se a desenvolver a filantropia, de acordo com as leis americanas, para evitar a dissolução completa do seu império econômico, o que acabou por culminar no surgimento das chamadas fundações internacionais tais como a Ford, Rockefeller e Carnegie. Essas fundações perceberam ao longo do tempo que essa capacidade financeira gerada pelo acúmulo de riquezas, lhes permitia tal qual nas revoluções burguesas no final da Idade Média, promover seus interesses em detrimento dos governos democraticamente consolidados.
Um passo fundamental para a mudança nos costumes se deu nos anos 50, tendo como pano de fundo a preocupação cada vez mais disseminada com o crescimento populacional mundial, o reavivamento das teorias malthusianas e o clima de tensão decorrente da Guerra Fria. Liderada por John Rockefeller III, o neto do magnata do petróleo, criou-se uma coalizão mundial que via na questão demográfica o problema-chave para entender a iminência dos conflitos recentes. De acordo com o herdeiro bilionário, a pobreza extrema nas regiões densamente povoadas do globo, devido em grande parte à escassez de recursos para fazer frente a tantas pessoas que se acumulavam dia após dia nestes centros demográficos, ameaçavam a hegemonia política, social e econômica do primeiro mundo.
Já nas primeiras reuniões lideradas por Rockefeller e outros grandes nomes de influência mundial na área demográfica, o objetivo não era outro senão buscar meios de controlar o crescimento populacional de forma urgente, especialmente nos países emergentes. Para isso era necessário criar mecanismos eficientes de contracepção, esterilização, novos estudos demográficos e promover o aborto. Nos anos que seguem, instituições poderosas se aliam a estes objetivos como a Fundação Ford e até mesmo o próprio governo americano através da USAID.
Um episódio marcante foi a pressão exercida por Rockefeller em relação aos líderes mundiais, visitando inclusive o Papa Paulo VI diversas vezes na segunda metade dos anos 1960, na esperança de que a Santa Sé tomasse partido na cruzada contra o crescimento populacional, até abandonar a estratégia depois da publicação da bombástica encíclica Humanae Vitae, a qual fechou definitivamente as portas da igreja aos métodos de contracepção artificial.
Apesar dos esforços, as estratégias passaram a sofrer revisões na academia, e o nome do socólogo Kinglsey Davis se destaca num artigo publicado na renomada revista Science no final dos anos 1960, questionando os métodos adotados até então para a questão populacional. Davis destacava que fornecer os meios para as pessoas controlarem a fertilidade não seriam suficientes para um resultado significativo nessa área, antes, eram necessárias mudanças de âmbito cultural e social, que visassem a mentalidade das pessoas, inclusive, sua postura ética e religiosa.
Era então necessário mudar o foco para elevar o nível de educação e renda nos países pobres, especialmente para as mulheres, afim de que estas conquistassem uma “emancipação” da opressão praticada dentro do modelo familiar tradicional e adentrassem ao mercado de trabalho na esperança de se livrarem definitivamente do jogo masculino, competindo diretamente com os homens nas áreas profissionais dominadas por estes e que garantissem por meio da educação, o conhecimento eficaz para o controle da própria fertilidade.
Data desta época em diante, o surgimento de movimentos contraditórios como a ONG Católicas Pelo Direito de Decidir, que reúne feministas que pressionam por mudanças na doutrina da Igreja em relação ao sacerdócio feminino, aborto, homossexualidade e contracepção. Nesse mesmo tempo, teorias modernistas que já eram combatidas no início do século XX por São Pio X, adentram os seminários, fazendo com que nos púlpitos das igrejas – o último reduto de resistência – deixassem de falar sobre estes temas tão profundos e importantes da moral católica.
Os meios de comunicação e as escolas se tornaram instrumentos úteis para o avanço dessa nova forma de pensamento. Cada vez mais a arte passou a retratar as circunstâncias quotidianas que colocam os personagens em dilemas morais relacionados ao divórcio e à contracepção, gerando na audiência, a sensação de que os problemas podem ser resolvidos por meios fáceis em contraposição à Igreja que vê na entrega muitas vezes sofrida, o mesmo amor expresso por Cristo na cruz.
As escolas passaram a introduzir a Educação Sexual nos currículos por determinação dos governos, estes mesmos influenciados pela mentalidade laica, maçônica e muitas vezes até mesmo pressionados pelo consenso científico das organizações mundiais, que se tornaram referência nos diversos campos das políticas públicas como a OMS, A UNESCO e a UNICEF. A necessidade e a mentalidade materialista dos pais, que creem apenas na felicidade derivada dos bens, permitiram às escolas bombardearem diariamente as crianças com essas questões, enquanto os pais trabalham para oferecer cada vez mais confortos aos filhos.
As universidades passaram a exigir que alunos tenham aulas com viés ideológico progressista e participem de debates, congressos e reuniões onde o consenso já é estabelecido previamente, impedido qualquer pensamento contrário, inclusive, direcionando as pesquisas para as tendências definidas pelas mesmas organizações que as financiam. Para ser considerado aprovado em curso superior, o aluno deve necessariamente se submeter ao pensamento hegemônico imperante.
A migração de católicos ao protestantismo também se explica pela falta de rigidez moral, individualismo e diversidade doutrinal entre as igrejas protestantes, fruto do dogma da Sola Scriptura que se tornou o Cavalo de Batalha de Lutero contra a autoridade do magistério católico. Como resultado desse levante, surge na contemporaneidade excrescências como as chamadas “igrejas de parede preta”, na qual os adeptos não são convidados a uma conversão, mas tão somente a viverem sentimentalismos e uma moral superficial, crendo que podem continuar no pecado, visto que ainda assim, serão salvos pela fé, aliás, outra definição herética e errônea apresentada como dogma por Lutero.
O que se percebe atualmente é que a mentalidade de muitos católicos que frequentam a igreja, não difere muito das pessoas em geral. Seria necessária uma nova evangelização por meio de uma catequese, trabalho pastoral corajoso, firmeza na exposição doutrinal para evitar um pouco desse estrago feito por anos de mentalidade iluminista, protestante e modernista, mas, não pensemos que isso será feito do dia para noite, de “formiguinha” um a um, até conseguir resgatar a mentalidade cristã, imutável, tal qual proclamada por Cristo. Para os incrédulos, as estatísticas demonstram que a “igreja precisa mudar” porque o povo mudou, mas na verdade, são os católicos que precisam amar a Igreja e segui-la fielmente, para então mudar o mundo. Afinal, não foi isso que fizeram os 12 primeiros?
Juliano Antonio Rodrigues Padilha – Coordenador do Núcleo de Estudo e Formação da Casa Pró Vida Mãe Imaculada, Economista e especialista em Finanças, Controladoria e Orçamento Público