Direito e Vida

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Aborto e o direito: fundamento filosófico

Propomo-nos, neste espaço, a falar sobre vida, família e direito. Para tanto neste primeiro texto, gostaria de apresentar as bases para a ameaça à vida.

A questão do aborto é daquelas que se beneficiam do nominalismo e de seu filho mais ilustre: o relativismo moral.

Em linhas muitíssimo gerais, o nominalismo parte da premissa de que não existem realidades abstratas e universais, mas apenas o concreto e o particular; tudo que não for concreto e particular não passa de nome. O nominalismo de algum modo nega o absoluto.

Já o relativismo em seu principal aspecto, parte da premissa segundo a qual não é possível fazer juízos absolutos, pois a verdade depende sempre do contexto, variável por definição. Em outras palavras, não é possível conhecer a verdade como algo invariável no tempo e no espaço.

O relativismo e o nominalismo em suas versões mais atuais e infantilizadas conduzem ao absurdo e muitas vezes a um sem sentido quase cômico, como substituir o termo mulher por pessoa com vagina; leite materno por leite humano ou criar palavras para referir-se à pessoas sem a identificação do gênero a que pertencem (amigx, colegues e outras variações infinitas).

Mas infelizmente há consequências tenebrosas desse espírito do tempo. Quando um homem-bomba explode uma escola mata dezenas de crianças e a imprensa resiste em chamar a isso terrorismo; quando cartunistas são massacrados por satirizarem o profeta Maomé e surgem intelectuais prontos para explicar as razões da reação em tom muito próximo ao que empregaria um advogado habilidoso diante de um júri perplexo; quando uma mãe, policial militar, age em legítima defesa e acaba por matar um potencial latrocida, que ameaçava a vida de crianças e alguns políticos pretendem vê-la presa.  Quando coisas como essas ocorrem e passam a ser normalizadas, a sensação é a de que o mundo está de pernas para o ar. Afinal pessoas que há alguns anos não conseguiriam escapar de um manicômio enganando o mais simples de seus porteiros com essas ideias mirabolantes são, hoje, as principais lideranças intelectuais, políticas e midiáticas

Resistindo a essa tendência nominalista e com os pés no chão, coloquemos o nosso assunto em termos claros: o aborto consiste em matar alguém. Alguém que ainda não veio à luz, alguém que ainda não sabe falar, alguém que ainda não tem alguma faculdade de discernimento, mas inegavelmente alguém. Um ser humano como eu, você, nossos pais e as crianças que vemos brincar nos parques, chorar e fazer manha.

Antes de qualquer consideração jurídica, a questão do aborto exige que nos perguntemos com honestidade se é moralmente legítimo matar um ser humano

Um ser humano que de fato merece ser chamado inocente (em latim, nocens é aquele que faz mal; inocente- innocens– é aquele que não faz o mal, inofensivo).

Como demonstrarei em uma próxima oportunidade, a maioria responde com um sonoro não e o nosso direito, por enquanto, ainda está com a maioria.

 

Maurício Bunazar

Advogado, Doutor em Direito Civil pela USP

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O paradoxal “direitos humanos” que permite o aborto

Pelo menos desde Aristóteles (bem antes dele, na verdade), sabemos que o Direito se divide comodamente em natural e positivo (esse, a grosso modo, é o direito criado pelos homens). As tentativas da corrente positivista de apagar essa distinção (desprezando o direito natural) falharam e o modo de dissimular o fracasso foi positivar, sob o nomemde direitos humanos, os direitos naturais mais notórios.

É verdade que a partir de direitos em sentido próprio uma doutrina jurídica – bem mais preocupada em “melhorar” o mundo do que em interpretar, explicar e, assim, colaborar para a correta aplicação das normas – passou a derivar os “direitos” mais amalucados, como o “direito” à poligamia (proibida expressamente pelo Código Civil), o “direito” de não ser identificado nem como homem nem como mulher, entre outras invencionices baseadas num pretenso “direito” à felicidade, derivado da dignidade da pessoa humana.

O paradoxal é que entre essa profusão de “direitos humanos” artificialmente arrancados à dignidade humana está o “direito” de matar um ser humano…

O “direito” ao aborto é cada vez mais abertamente defendido como um direito inalienável da mulher, afinal dona de seu próprio corpo; o fato de o aborto consistir em tirar a vida de um outro corpo que não o da mulher grávida acaba por ser um detalhe ofuscado pelo brilho do argumento “meu corpo, minhas regras”.

Seja como for, o Direito brasileiro (ainda) proíbe o aborto na maioria das situações. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 3o), a Constituição da República Federativa do Brasil (Art. 5o) e o Código Penal (Arts. 124 a 128) proíbem claramente o aborto. O Pacto de San José da Costa Rica, Tratado Internacional do qual o Brasil é signatário, é ainda mais explícito:

Artigo 4º – Direito à vida

  1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.

Mas essas regras nem são o mais relevante. O que verdadeiramente importa é o fato de o povo brasileiro ser majoritariamente contrário ao aborto; e é justamente por se ter plena consciência de que o aborto não tem chances de ser aprovado pela via que seria a adequada (é dizer, pelo parlamento) é que vira e mexe algum partido político busca junto ao Supremo Tribunal Federal ora a ampliação das hipóteses em que o Código Penal admite o aborto, ora a sua descriminalização, passo anterior à legalização.

É preciso lembrar que a Constituição Federal, Lei à qual todas as autoridades estão submetidas, reconhece que o Poder não é do Executivo, não é do Legislativo e não é do Judiciário, mas do povo.

 

Maurício Bunazar

Advogado, Doutor em Direito Civil pela USP

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A culpa é da família

Em definição dicionariada, a “alucinação” ou “delírio” consiste na perturbação mental que cria perda do contato com a realidade (Houaiss). No passado, era um sintoma para doenças mentais ou de doenças fisiológicas que afetavam o cérebro, como esclerose, sífilis, tumores etc. O mundo contemporâneo curou as alucinações a partir de um expediente muito simples: aboliu a realidade. Esse “milagre” pagão transformou a verdade em algo subjetivo; tudo começa com um querer.

Os passos são simples: alguém começa por querer algo que até ontem era considerado impossível por contrariar a realidade; em seguida passa a dizer que todos os que dizem que sua vontade é impossível de ser realizada são maus e opressores; num próximo passo forma-se um grupo que também passa a ter aquela vontade e, finalmente, aquela vontade é transformada em direito subjetivo. Pronto.

Há também um outro caminho, cujos passos são idênticos, apenas que ao em vez de se criar uma nova “realidade” nega-se a realidade preexistente.

Exemplo desse último tipo há na relação entre família e sociedade. As Constituições brasileiras (que, para nossa vergonha, não foram poucas), apenas com variações de forma, reconheciam que a família é a base da sociedade. Para evitar interpretações equivocadas, é melhor deixar algo claro: a família não é a base da sociedade porque uma dada Constituição diz isso; é porque a família é a base da sociedade que os textos constitucionais costumam declarar isso.

Trata-se de mais uma noção que, outrora clara, hoje está embaçada. Não se pode confundir o declarado pela lei com o construído pela lei. A lei declara aquilo que sempre foi, por exemplo, que a família é a base de qualquer sociedade; que todo ser humano tem direito à vida, e constrói aquilo que por conveniência é útil para a vida em sociedade, por exemplo, que só se pode votar, dirigir e exercer cargos públicos a partir de alguma idade. O limite para a liberdade criativa da lei deveria ser a natureza das coisas; uma lei que, hipoteticamente, dissesse que todos os seres humanos têm o direito de botar ovos deveria ser motivo de piada e de internação manicomial do legislador, mas como as leis praticamente acabaram com os manicômios o mais provável é que esse legislador ganhe algum prêmio por sua defesa intransigente dos direitos…..humanos.

Talvez a sensação generalizada de que o mundo está de ponta-cabeça se deva ao fato de termos passado a aceitar que aquilo que até ontem chamávamos de chão, de base, de fundamento, em um passe de mágica, passou a ser chamado de teto.

 

Maurício Bunazar

Doutor em Direito Civil pela USP

Benfeitor da Casa Pró-Vida Mãe Imaculada

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O Direito aos fatos

“Contar a história com clareza é hoje muito mais difícil do que contá-la de forma traiçoeira. É antinatural deixar os fatos em paz; é instintivo pervertê-los”. (Chesterton, A história versus os historiadores, inA loucura e as letras)

Quando Chesterton escreveu esse texto provavelmente supusesse que as coisas não poderiam piorar; pioraram e muito. Aqueles que hoje pervertem os fatos parecem inocentes quando comparados aos que descaradamente negam a existência de fatos, e os poucos que têm a coragem de declarar um fato, por mais trivial que seja, têm de estar prontos para o martírio contemporâneo: o “cancelamento”.

Entre ser apedrejado pelo Twitter e ser apedrejado como Santo Estevão, opto corajosamente pela primeira opção.

Pois bem, vamos a alguns fatos:

1o) A Constituição Federal garante a todos e não só a “tod@s” a livre expressão do pensamento;

2o) Para que uma conduta seja qualificada como crime é necessário que uma lei- não um jornalista, não um grupo social e também não o Judiciário- assim a qualifique;

3o) A expressão “discurso de ódio” é uma invenção genial; perversa, mas genial. É genial porque com ela se pode impedir todo e qualquer discurso que não se queira ver propagado e é perversa justamente porque com ela se pode impedir todo e qualquer discurso que não se queira ver propagado (principalmente quando ele, embora não viole lei alguma, seja muitíssimo incômodo para alguns ouvidos mimados);

4o) A mesmíssima Constituição que, felizmente, proíbe toda e qualquer forma de discriminação garante a liberdade de crença e de culto e, é bom que lembremos, protege o religioso contra toda e qualquer forma de discriminação por sua crença.

A aceitação desses fatos é indispensável para que a sociedade brasileira seja realmente plural e permita o convívio harmonioso dos mais diversos pensamentos, cabendo lembrar que convívio harmonioso não exclui o conflito, desde que o conflito seja de ideias e mantenha-se nos limites da legalidade.

Assim, membros da comunidade LGBT são livres e devem ser livres para manifestar tudo o que acreditam, inclusive para afirmarem que não existe gênero e que ser homem ou mulher não seja um fato; a pessoa do povão tem todo o direito de dizer que ser homem ou ser mulher é um fato ou, como na cena cômica do filme boboca dos anos 90, “que meninos têm pênis e meninas têm vagina”; o padre, o pastor e o rabino têm o direito de dizer que Deus fez o homem e a mulher; mulher e homem Ele os fez (cf. Gn 1,27) e que a relação sexual tem por finalidade a procriação.

Antes de terminar, só mais um fato: a tolerância pressupõe iguais direitos de expressão entre o membro da comunidade LGBT, a pessoa do povão e o sacerdote.

 

Maurício Bunazar

Advogado, Doutor em Direito Civil pela USP

Benfeitor da Casa Pró-Vida Mãe Imaculada

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Tolerável Intolerância

Assim que alguma autoridade pública comete o “desatino” de mencionar Deus publicamente ou ouse fixar um crucifixo em alguma repartição pública, é muitíssimo comum que os meios de comunicação em geral gritem, quase histericamente, que o Estado é laico e passem a exigir imediata retratação; não raro, um atento membro de importante órgão estatal de fiscalização atende ao clamor e para logo ajuíza uma ação civil pública solicitando a imediata supressão de tudo que remeta a Deus.

Esquece-se, convenientemente, que a nação brasileira – entendida a palavra nação em sua acepção técnica, que abrange as tradições e características culturais do povo – é originalmente católica e persistentemente cristã. Provam-no alguns dados óbvios: a própria Constituição Federal, em seu preâmbulo, declara ter sido promulgada sob a proteção de Deus; três dos Estados federados têm nomes católicos (Espírito Santo, São Paulo e Santa Catarina), assim como quatro capitais (São Luís, Natal, Salvador e São Paulo); as cédulas de dinheiro, desde os anos 80, salvo engano, contêm a expressão “Deus seja louvado”.

O Brasil, desde a proclamação da república, é mesmo um Estado laico, mas o que isso significa? Em sentido técnico, o laicismo defende a independência entre Estado e Igreja; não só a independência do Estado perante a Igreja, mas também, e talvez principalmente, da independência da Igreja das garras do Estado – consulte-se no Dezinger, ao menos, as Cartas de Gelásio I (Famulivestraepietatis) e Nicolau I (Proposueramusquindem).

O Estado laico nem de longe é o Estado que proíbe a religião; a proibição da religião é típica de regimes autoritários como o nacional-socialista e o comunista.
Ao contrário, oEstado laico, por definição, é aquele que garante a absoluta liberdade de crença e a relativa liberdade de culto. Por isso, a Constituição Federal proíbe que os entes federados estabeleçam cultos ou os embaracem (artigo 19, I).

A liberdade religiosa é um dos valores mais caros à Constituição brasileira. Não é à toa que a liberdade de crença e culto é reconhecida como direito fundamental logo no inciso VI do artigo 5o. Além disso, os incisos VII e VIII do mesmo artigo garantem, respectivamente, o direito à assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva e a proibição de privação de direitos por crença religiosa.  Também, o inciso VI, alínea b do artigo 150, proíbe a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto e que o § 1o do artigo 210 estabelece que o ensino religioso, embora de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental.

Na próxima edição, vamos refletir sobre a liberdade religiosa.

Maurício Bunazar

Advogado, Doutor em Direito Civil pela USP

Benfeitor da Casa Pró-Vida Mãe Imaculada

 

 


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