Paixões desordenadas, eclipse mental e os meios de manipulação da cultura da morte
“Non vivas ut edas, sed edas ut vivere possis”
Entre os diversos mitos sobre a Roma Antiga, conta-se um em que os ricos e imoderados romanos davam luxuosos banquetes com inúmeras e exóticas iguarias; era tanta comida e tão grande o prazer em comê-las que, mesmo após estarem satisfeitos, os romanos, dominados pela gula, dirigiam-se ao vomitório, esvaziavam seus estômagos para que, livres novamente, pudessem continuar a se deleitar em sua orgia gastronômica. Não temos como nos certificar da veracidade do relato, entretanto parece, no mínimo, verossímil dada a imoderada pompa, excesso de poder e os vícios anexo a elas. Entretanto, da mesma Roma saiu a famosa expressão “coma para viver, não viva para comer”, frase que atinge o cerne da questão, que não diz respeito à comida, mas sim, à finalidade da vida.
Principalmente nas épocas de maior sucesso econômico, militar e tecnológico, a história humana demonstra a prevalência de vícios e excessos, dominantes, senão em toda a sociedade, ao menos entre as elites. Isso acontece porque a riqueza e o poder permite aos seres humanos se afastarem dos verdadeiros fins e buscarem apenas os seus desejos, por mais vis e absurdos que sejam. Contudo, também é notório o surgimento da consciência que revela os vícios e os excessos, e sugerem as correções.
Na história da humanidade, nada trouxe mais consciência de seus pecados que o cristianismo. Ainda no Império Romano, os cristãos não se destacavam por roupas, modos, profissão etc., destacavam-se por sua moral: o governador Plínio atesta isso em sua carta ao imperador Trajano, na qual ele relata o perigo que a nova religião trazia ao império. Mas por que a moral católica é tão perigosa?
Toda moral é fruto de uma fé. O costume (morus) é a expressão das convicções humanas sobre a melhor forma de viver (que os gregos chamavam de areté), não só individualmente, mas também em sociedade. O cristianismo crê que o ser humano foi criado de maneira racional e que, portanto, sua existência e todas as suas ações devem ser voltadas a uma finalidade. A finalidade de algo criado sempre está fora da própria coisa; e as ações que a coisa executa, devem estar ordenadas ao cumprimento dessa finalidade; isso quer dizer que as pequenas ações têm como finalidade as grandes ações, estas, às ações ainda maiores até o cumprimento do objetivo almejado, por exemplo: a ação humana de se alimentar deve estar voltada ao objetivo maior que é viver, porém viver deve estar voltado ao objetivo maior humano que é conhecer, por sua vez, o ato de conhecer deve almejar as grandes questões racionais: qual a origem da vida, o que é o ser humano, qual sua finalidade. O ser humano, por ser racional, tem seu primeiro fim no conhecimento. Contudo, a racionalidade não é um fim em si próprio, pois ela não satisfaz a vida humana em sua plenitude. A racionalidade é apenas mais uma das operações humanas para sua verdadeira finalidade que é a Felicidade. A felicidade por sua vez resume-se, para o cristianismo, em amar e servir a Deus.
Deus é a origem e a finalidade do ser humano e suas ações neste mundo devem conduzi-lo para seu fim. Para isso, utiliza-se a razão para descobrir a maneira e os meios de atingi-la. Toda vez que uma ação intermediária (meio) torna-se finalidade (fim), chama-se essas ações de vícios e/ou pecados: senão como para viver, mas vivo para comer, torno-me um intemperante ou glutão. O ato de ordenar os meios aos fins, chama-se virtude; e ao conjunto de virtudes, chama-se moral.
Na sociedade atual, não temos compulsões alimentares viciosas como aquelas do mito romano. Contudo, revelamos outra prática muito mais viciosa e danosa: a compulsão sexual. Assim como no mito romano, em que os glutões absorvidos na orgia gastronômica se empanturravam até não poder mais, vomitavam e voltavam a se empanturrar; muitos na sociedade atual, absorvidos na orgia sexual, deleitam-se inconsequentemente até produzirem as “gravidez indesejadas”, e assim, como os glutões do passado esvaziaram suas barrigas para poderem continuar suas orgias gastronômicas, tudo o que os atuais “glutões” querem é um aborto, para “vomitar” a criança para fora de si, e poderem voltar para sua orgia sexual.
Hoje, olhamos com desprezo para a prática viciosa dos romanos. Lutemos para que o futuro não nos despreze apenas como fúteis e nojentos, mas também como vis e crueis.
Gilberto Alves – Professor, especialista em línguas e membro do Núcleo de Estudo e Formação da Casa Pró-Vida Mãe Imaculada