STF e as leis municipais que proíbem a linguagem neutra: quais os efeitos práticos?
Logo após a decisão recente do Supremo Tribunal Federal no sentido de derrubar leis de alguns municípios brasileiros que proibiam o uso da linguagem neutra nas escolas, várias discussões surgiram e pretendemos através deste artigo, analisar alguns dos argumentos utilizados em torno da questão para demonstrar a real gravidade do problema e suas consequências em termos práticos.
Chegou-se a argumentar que a decisão do STF “não impõe” nada e que “ninguém será obrigado” a usar linguagem neutra, no entanto, é preciso observar que esse tipo de relativismo abre precedentes para o que já vem acontecendo em outros países. Embora no curto prazo, realmente essa decisão não represente uma imediata aplicação da linguagem neutra em todas as escolas, a longo-prazo, pode significar uma imposição ou até mesmo, impedir a reação dos pais e das famílias que não aceitam essa prática nas escolas sempre que a situação surgir. Um exemplo recente, é o caso do professor irlandês Enoch Burke, preso por se recusar a usar pronomes neutros em sala de aula por motivos de consciência e fé cristã. Ou seja, em nome da “inclusão”, a liberdade de expressão e de consciência de um professor foi desrespeitada. Isso mostra claramente para onde essas medidas supostamente inofensivas podem levar, caso não exista nenhuma reação imediata sempre que imposições de ordem ideológica se imporem sobre a maioria.
Outro argumento que se levantou foi o de que proibir preventivamente o uso dessa linguagem, através de uma lei, seria censura ou coibição da liberdade de pensamento em sala de aula. Na verdade, a sociedade brasileira diversas vezes se posicionou contra este tipo de conteúdo em sala de aula, desde as últimas votações do Plano Nacional de Educação e dos planos municipais e estaduais de educação, mas apesar desse posicionamento majoritário, inúmeros professores continuam a realizar tal prática em sala de aula, num total desrespeito à vontade popular. Outras iniciativas foram encabeçadas durante esse período, mas também sem sucesso, como o Projeto Escola Sem Partido, que fazendo valer os dispositivos internacionais dos quais o Brasil é signatário, na falta de uma lei específica, se pretendia garantir canais de denúncia contra a doutrinação ideológica nas salas de aula.
Na verdade, permitir que ideologias entrem pela porta da linguagem e do currículo sem debate amplo e sem base na norma culta também, isso sim, é uma forma de imposição! Não é censura querer preservar um ensino coeso, baseado em normas já estabelecidas — é zelar por uma educação clara, técnica e acessível a todos.
Algumas pessoas chegaram a declarar que a “ideologia de gênero nunca existiu”. A filósofa e militante de gênero Judith Butler, uma das autoras mais citadas por quem defende essas pautas, não nega que há um projeto teórico e político por trás da noção de identidade de gênero — e isso é, sim, ideológico. A linguagem neutra pode ainda não fazer parte da grade obrigatória, mas quando o STF invalida leis municipais que proíbem seu uso em sala de aula, abre-se margem para sua legitimação cultural e institucional.
Por fim, alguns argumentam que língua “está sempre em evolução”, de fato, mas isso não significa que ela deva se submeter à vontade de grupos ideológicos em detrimento da clareza, inteligibilidade e acesso democrático ao conhecimento.