A Rejeição aos Filhos e a Normatização da Futilidade

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Sabemos que todas as pessoas podem possuir defeitos, tais como irresponsabilidade, imaturidade e interesses frívolos e fúteis. Espera-se que, na qualidade de seres humanos conscientes, nos esforcemos por superar essas máculas do caráter, prosseguindo em um caminho de verdadeiro crescimento pessoal. Contudo, encontram-se com frequência (o que à mídia apraz imensamente divulgar) pessoas que, ao invés de buscar este crescimento pessoal, contentam-se e se alegram com seus defeitos e suas futilidades, cultivando-os e vendendo a ideia de que são muito normais – e mais: saudáveis e moralmente elevados.

Este padrão pode ser percebido na reportagem publicada em O Globo, intitulada “Número de casais que decidem não ter filhos aumenta no país”. Trata-se da divulgação de uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a partir de informações do IBGE. O dado de maior enfoque na pesquisa foi o aumento de 13,5% para 18,8% no número de lares com casais sem filhos, em dez anos, até 2014.

Para ilustrar a reportagem, a foto de um casal extremamente sorridente mostra as fotos de suas inúmeras viagens, e para o qual filhos não são um plano. Dentre os entrevistados, as principais motivações para não ter filhos consiste no estilo de vida: viagens e mais viagens, custo de vida alto, grande dedicação à carreira promissora. E os filhos, claro, estragariam tudo.

Aqui fica a dúvida: Estragariam mesmo? Depende: sim e não.

Com relação às viagens, por exemplo, os filhos, ao invés de empecilho, são um parceiro a mais. A prova viva é a menina Naila (1), que aos três anos viajou o mundo de bicicleta com os pais, e com esta idade já sabia falar cinco idiomas. O que ocorre é que o estilo da viagem muda um pouco, os pais precisam lembrar dos cuidados com a criança e respeitar suas necessidades: os pais de Naila, por exemplo, dizem que passaram a pedalar menos horas diárias depois que ela nasceu, para não cansar demais a menina. Tudo tem a ver com desenvolver um senso de responsabilidade e cuidado, que levam mesmo à maturidade e plenitude da fase adulta. Como disse um sábio comentário ouvido certa vez: “Não deixe de viver sua vida por seu filho, mas viva a sua vida por ele”.

Quanto aos gastos com crianças – como os 4 mil reais mensais para uma família de classe média no Rio citados na reportagem –, cabe distinguir entre o que é necessário e supérfluo. O plano de saúde e a escola mais cara da cidade, mais e mais brinquedos repletos de tecnologia, roupas de grife: nada disso importa para uma criança. Ela não liga para a marca das roupas ou para a quantidade dos brinquedos. O que ela precisa é de atenção e carinho paternos. Junte a isso o feijão com arroz, o pão diário, algumas roupas simples e confortáveis com estampas do bichinho preferido, uma bola e – vá lá – um carrinho preferido ou uma boneca, junto a  muitos abraços, beijos e invenções junto aos pais (com alguns puxões de orelha, diga-se de passagem), e voi lá: uma criança feliz, saudável e bem criada (saindo na pechincha).

Quanto à carreira, deve-se saber equilibrar as coisas. Equilíbrio, dosagem, bom senso: qualidades próprias do ser adulto. Inclui maturidade, eficiência e uma dose de jogo de cintura. E também – por que não? – saber abdicar de algumas coisas em benefício de outras que são prioridades. E quem tem filhos sabe que os filhos são a prioridade, não havendo mal algum nisso. Quando ocorre a verdadeira doação própria da maternidade, não há sofrimento; há a recompensa, o sentimento de satisfação em poder estar participando de um projeto maior do que qualquer carreira: a formação de um ser humano. Carreira pode ser tocada em frente em qualquer etapa da vida. Contudo, para se ter filhos há um “prazo de validade”. E vou dizer uma coisa: quem adia demais os filhos não sabe o que está perdendo.

Mas se os filhos podem ser motivo de tão grandes alegrias, por que essas ideias antinatalistas são tão divulgadas?

Essa forma de pensar ganha espaço principalmente com o advento do feminismo buscando a “autonomia da mulher”. Contudo, esta “autonomia” foi pensada por pessoas que desconsideravam a verdadeira natureza do feminino, gerando a ideia de que a mulher, para ser livre, deve se tornar um “homem de saias” (ou melhor, sem saias mesmo). Dentre a natureza do feminino está o dom da maternidade como realização para a mulher. Porém, para as feministas, os filhos são mais uma realidade opressora da mulher, como fica claro na citação da feminista Simone de Beauvoir:

“Não, nós não cremos que qualquer mulher deva ter essa escolha. Nenhuma mulher deveria ser autorizada a ficar em casa para criar crianças. A Sociedade deveria ser totalmente diferente. As mulheres não deveriam ter essa escolha, exatamente porque se houver tal opção, mulheres demais irão fazê-la. É uma forma de forçar as mulheres em uma certa direção.” (2)

Fica claro que, para Beauvoir – e, de forma estendida, para o feminismo no geral –, as mulheres sequer devem ter a opção de escolher ficar em casa cuidando dos filhos, apesar de ser claro que esta forma de vida seja de grande satisfação para grande parte da mulheres, justamente por sua natureza feminina e materna. Eis o feminismo eliminando o direito e a liberdade de escolha das mulheres – buscando agir através da mídia e da doutrinação pela educação, formando toda uma geração de mulheres criada com única perspectiva de vida: no mercado de trabalho, inserindo-as em uma realidade onde sobra pouco ou nenhum espaço de dedicação para a família.

Mas homens e mulheres também estão inseridos em outro universo que os levam a rejeitarem a paternidade: a cultura do prazer, o utilitarismo, a eterna adolescência; frutos de uma geração criada sem perspectivas de deveres e responsabilidades. Levam uma vida na qual possam desfrutar de inúmeros deleites e tudo com o que se empenham em algum esforço diz respeito à acumulação de bens e prodígios para si mesmos. Tudo isso fica muito evidente nos comentários da reportagem. O egoísmo salta aos olhos. O que dizer de uma sociedade na qual, segundo a demógrafa responsável pela pesquisa, se tornou normal e moralmente aceitável pensar nestes termos:

“(…) vivemos numa sociedade de consumo, onde família numerosa deixou de ser associada à felicidade. Prosperidade é ter uma boa casa, viajar para a Europa, ter o carro do ano e frequentar o Teatro Municipal. É uma tendência mundial.”

O que  sentir, lendo tal comentário, se não tristeza e aversão? Tamanha inversão de valores: futilidades postas como prioridades, a normatização do egoísmo e da mesquinharia. Cabe aqui citar a definição feita por Ortega y Gasset sobre o Homem do Prazer e o Homem do Dever. O primeiro não se exige nada, é encantando consigo mesmo; foca nos seus direitos, vive à sua vontade; é escravo de sua fisiologia e dos ditames da manada. O segundo, criador e à frente da situação, foca nos deveres, no senso de responsabilidade; se exige e se doa em vista de um bem maior que si mesmo. O desejo de evitar os filhos pautados em argumentos como os citados na reportagem não demonstram outra coisa senão a visão dos Homens do Prazer. E, segundo Ortega y Gasset, “o homem do prazer não é homem, é apenas carcaça de homem”. (3)

Resta ainda esperança: este perfil de casais aqui tratados pode ter crescido, segundo a pesquisa, mas ainda são minoria. Esperemos que a maior parte das pessoas ainda se empenhe em crescer e amadurecer sem medo, aceitando desafios tão úteis ao aprendizado, como o é a paternidade. Lembrando que não pensamos que todo e qualquer casal é obrigado a ter filhos; contudo, que não sejam futilidades, itens supérfluos e falsos a justificativa para esta condição e levantados como bandeira. Afinal, maiores são os aprendizados, os prazeres e os bons frutos que os filhos nos dão. Já diz o salmo 127: “Eis que os filhos são herança do Senhor, e o fruto do ventre o seu galardão. Como flechas na mão de um homem poderoso, assim são os filhos da mocidade. Bem-aventurado o homem que enche deles a sua aljava.” E, aos que no final de sua vida quiserem colher verdadeiros bons frutos, que deem beleza e significado à vida que foi vivida, fica a reflexão de Fulton Sheen: “As maiores alegrias da vida são adquiridas à custa de algum sacrifício. Ninguém aproveita uma boa leitura, boa música ou boa arte sem certa quantidade de estudo e esforço. Nem se pode desfrutar de amor sem certa dose de abnegação”.

Núcleo de estudo e formação – Casa Pró-vida Mãe Imaculada

 

  1. NOVAES, T.  Menina de três anos viaja o mundo de bicicleta com os pais e já fala cinco idiomas. BBC Brasil, 2014. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2014/03/140328_familia_viagem_bicicleta_tiago_rw
  2. Sex, Society and the Female Dilemma – A Dialogue between Simone de Beauvoir and Betty Friedan; Saturday Review, 1975 – p. 18 http://64.62.200.70/PERIODICAL/PDF/SaturdayRev-1975jun14/14-24/
  3. ORTEGA Y GASSET, J. A Rebelião das Massas. Vide Editorial, São Paulo, 2016.

 


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